Fashion Law: A cópia é
benéfica à indústria da moda?
O “Direito da Moda”, popularmente difundido no
Brasil por seu correspondente em inglês Fashion Law, é certamente
um dos temas mais novos e em voga da atualidade do Direito. Embora a moda já
fosse objeto de regulamentação em diversos países, inclusive com alguns estudos
publicados sobre o tema, o termo Fashion Law foi de fato
cunhado em 2006, na Fordham University, em Nova York,
tendo, desde então, se popularizado e tornando-se objeto de estudo no mundo e
no Brasil.
Diante de tal cenário, muitos apresentam o Fashion
Law como um novo ramo do Direito diretamente ligado à Propriedade
Intelectual. No entanto, o Fashion Law é um tema mais complexo e abrangente, já
que corresponde a uma congregação de ramos do Direito, de alguma forma
relacionados ao mercado da moda, compreendendo, por exemplo, questões
trabalhistas, nas quais devem ser consideradas as frequentes menções às sweatshops e
as denúncias de trabalho escravo; societárias, nas quais é relevante a
compreensão da atual estruturação do mercado em grandes conglomerados,
especialmente no segmento de luxo; bem como questões contratuais; tributárias,
ambientais, entre diversas outras.
Assim, o estudo do Fashion Law é
relevante não só pelas particularidades inerentes ao mercado de moda, mas
também pela relevância do setor, possuindo este, de acordo com a Associação
Brasileira da Indústria Têxtil e da Confecção – ABIT, faturamento, em 2014, de
USD 53,6 bilhões e empregando no Brasil 1,6 milhão de empregados diretos, sendo
o Brasil o quarto maior parque produtivo de confecção e o quinto maior produtor
têxtil do mundo, não restando dúvidas, portanto, da importância econômica deste
mercado, bem como da necessidade de segurança jurídica para o setor.
De fato, a Propriedade Intelectual ainda constitui
o aspecto mais estudado e que reúne o maior número de demandas do setor de
moda, especialmente em razão da cópia não autorizada ser prática comum no
segmento. O mercado da moda, inclusive, é consideravelmente tolerante com tais
imitações, especialmente quando comparado com outros setores criativos, tais
como o musical e o cinematográfico.
Tal tolerância levou alguns estudiosos a defender
que a cópia seria benéfica à indústria da moda, o que justificaria a aceitação
à imitação sem autorização. Esse foi o posicionamento, por exemplo, dos autores
Kal Raustiala e Christopher Sprigman, que, em artigo publicado na Virginia Law
Review, em 2006, intitulado The Piracy Paradox: Innovation and
Intellectual Property in Fashion Design, defendem que o mercado da moda,
como regra, trabalha em um regime de livre apropriação, no qual a cópia não
diminui a inovação, uma vez que esta não é prejudicial aos criadores do design
original, dando a este fenômeno o nome de The Piracy Paradox, ou
Paradoxo da Pirataria, em tradução livre.
O Paradoxo da Pirataria é baseado em dois conceitos
existentes no mercado da moda: a Obsolescência Induzida (Induced
Obsolescence, no original) e o Ancoramento (Anchoring). O
primeiro parte do pressuposto de que o mercado da moda possui estrutura
piramidal, encontrando-se no topo da pirâmide as criações e criadores
intitulados de high fashion, tais como as maisons de
alta costura e as linhas de prêt-à-porter de luxo; seguidas
pelo que os autores intitulam de better fashion, em posição
intermediária; e, por fim, na base da pirâmide, encontra-se a categoria de
artigos mais básicos, com preços baixos. Assim, quanto mais alto o estrato da
pirâmide, mais informação de moda as criações contêm e, portanto, mais
inovação, acompanhada também de preços mais elevados.
Dessa forma, o conceito de Obsolescência Induzida
parte do princípio de que os itens revestidos de maior informação de moda
conferem status a quem os possui. No momento em que um novo
design surge no topo da pirâmide, o limitado grupo que possui acesso a tais
criações as adquire, como forma de obter prestígio. No entanto, na medida em
que este mesmo design passa a ser copiado pelos estratos mais baixos da
pirâmide, ele perde seu caráter de exclusividade, levando à necessidade de que
o topo da pirâmide se renove, fazendo com que a elite busque novas criações
como forma de afirmar sua posição. A cópia, assim, funcionaria como um
catalizador no mercado da moda, acelerando a necessidade de inovação e de
consumo.
O Ancoramento, por sua vez, corresponde ao aumento
da visibilidade de determinado design, por meio da sua publicação em lojas,
revistas etc., decorrente da cópia, o que indicaria sua saturação e necessidade
de inovação.
O Paradoxo da Pirataria, no entanto, foi contestado
por diversos autores, que indicaram os malefícios da cópia, apontando a
necessidade de previsão de necessidade de proteção específica às criações de
moda, principalmente nos Estados Unidos, e defendendo o projeto de lei
norte-americano intitulado Innovative Design Protection and Piracy
Prevention Act (IDPPPA), cuja proposta é alterar a Lei de Copyright,
com o intuito de estender expressamente sua proteção ao design de moda, diante
da dificuldade de proteger tais criações de acordo com a legislação de tal
país. Assim, na prática, tem-se visto uma tendência cada vez maior a defender a
necessidade de proteção a criações de moda, refutando a possibilidade de livre
apropriação.
No Brasil, por sua vez, vem sido reconhecida a
possibilidade de proteção das criações de moda, por meio dos institutos de proteção
à Propriedade Intelectual existentes na legislação brasileira, em especial o
desenho industrial e o direito de autor. No entanto, em algumas hipóteses,
criações de moda podem ser protegidas também pelo registro de marca ou, até
mesmo, por patentes, a depender do objeto de proteção.
Além disso, institutos como concorrência desleal,
aproveitamento parasitário e trade dress (ou conjunto-imagem),
estes dois últimos conceitos estritamente doutrinários, não constantes da
legislação brasileira, já foram reconhecidos pelos tribunais brasileiros para a
proteção de criações de moda, ainda que com alguma atecnicidade.
Dessa forma, cada vez mais empresas e designers
atuantes no setor de vestuário e acessórios vêm buscando soluções jurídicas com
o intuito de obter a devida proteção a suas criações, bem como de cessar o uso
indevido de sua propriedade intelectual, por meio de ações judiciais.
De forma preventiva, traçando a melhor estratégia
de proteção aplicável ao caso, assessorando os criadores na obtenção dos
possíveis registros a suas criações perante os órgãos competentes, celebrando
rígidos contratos, entre outras medidas pertinentes.
Já no aspecto contencioso, adotando providências
judiciais, cíveis ou criminais, para a proteção de designs contrafeitos,
demandas estas que, frequentemente, dependem de diligências de busca e
apreensão para coleta de provas, bem como de análise pericial das evidências
coletadas para prova da contrafação.
Ainda, uma das questões mais relevantes com relação
à proteção à Propriedade Intelectual diz respeito ao controle do comércio de
produtos contrafeitos pela Internet. Quanto a este aspecto, relevante a
pesquisa da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio RJ),
que indica que óculos, roupas, bolsas, calçados e outros acessórios estão entre
os produtos pirateados mais consumidos entre 2006 e 2010. Além disso, no que
diz respeito especificamente ao comércio de produtos piratas on-line, a
Associação Comercial de São Paulo (ACSP) indica que produtos de moda e
acessórios estão entre os produtos contrafeitos mais vendidos pela Internet.
Desta forma, cada vez mais empresas e designers
atuantes no mercado de moda têm buscado estratégias voltadas para a repressão
do comércio, pela Internet, de produtos de moda contrafeitos. Mostra-se
efetiva, em referida situação, a realização de monitoramento de páginas na
Internet, por meio de ferramenta tecnológica específica para tal finalidade,
com o intuito de localizar de forma mais abrangente sites que
comercializam produtos pirateados, para adoção das devidas providências
judiciais para identificação dos responsáveis por tais práticas e obtenção de
ordem inibitória, sem prejuízo de eventuais sanções cíveis ou criminais.
Fashion Law, portanto, está em franca ascensão, dependendo a
assessoria jurídica no ramo de um conjunto de conhecimentos específicos sobre o
setor da moda e sobre os diversos ramos do Direito a ele aplicáveis, sendo
fundamental identificar as necessidades específicas do segmento de modo a
traçar estratégias jurídicas adequadas, de acordo com as particularidades do
setor.
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Por Carla Segala Alves e Rony Vainzof
Originalmente publicado no Jota - acessível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/direito-digital-conheca-o-direito-da-moda-ramo-profissional-em-ascensao-31102015