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10
JUN/2020
categoria
Direitos Autorais

Uma interseccion na indústria da moda: apropriação cultural ou inspiração cultural?




A moda é um reflexo de momentos históricos, econômicos, políticos, sociais e culturais num determinado tempo, e como tanto, tem como fonte de inspiração, as tradições culturais de cada povo, etnia ou região.

 

Em busca de inspiração para suas coleções, grandes marcas passaram a buscar referências em trajes típicos por exemplo, gerando controvérsias no campo sociológico e também no âmbito da fashion law (área jurídica que aborda os direitos autorais e propriedade intelectual da indústria da moda).

 

No universo da moda, é comum buscar inspiração em uma determinada cultura, seja para criar peças seja para criar um design ou até mesmo uma estamparia, dentre outros.

 

Podemos conceituar a apropriação cultural como:

 

“A apropriação cultural acontece quando “uma cultura minoritária ou de alguma forma subordinada social, política ou etnicamente é apropriada por uma cultura dominante”

(Dra. Roseane Borges, pesquisadora de gênero, raça, visibilidade e poder).

 

Assim, podemos dizer que há apropriação cultural quando uma cultura adota elementos específicos de outra cultura, podendo ser ideias, conhecimento tradicional, idioma e expressões linguísticas, símbolos e crenças religiosas, artefatos, imagens, acessórios, trajes típicos, música, dança, arte, culinária, objetos, formas, aspectos comportamentais, etc,  que, uma vez removidos de seus contextos culturais originais, podem assumir significados muito divergentes.

 

Essa aculturação é negativa quando acontece entre uma cultura minoritária e a cultura dominante, caracterizando uma situação de exploração, desrespeito ou banalização.

 

Desta forma, para que ocorra a apropriação cultural é necessário que uma cultura dominante que explorou ou oprimiu um determinado grupo minoritário (ex. colonização, do genocídio, da escravidão) ou, ainda, não entende o significado cultural do elemento incorporado, adote como seu, sem a devida permissão, sem dar-lhes a devida autoria, e/ou retribuição pecuniária.

 

Assim sendo, não se há de confundir com o intercâmbio cultural, que acontece quando pessoas de culturas diferentes compartilham aspectos de sua cultura, sem dominação de um grupo sobre o outro. Tampouco pode se confundir com assimilação cultural, pois neste, para fins de sobrevivência, um determinado grupo marginalizado, adota aspectos da outra cultura.

 

É preciso consignar que, juridicamente, o fato de usar acessórios ou incorporar elementos que pertencem a outra cultura não faz de você ou de sua empresa uma má pessoa nem um transgressor desde que não contribua para o esvaziamento do significado desse símbolo. Para tanto, é preciso estar atento:

 

·        1) Peça autorização ao grupo/tribo;


  2)   Use significados culturais ou religiosos de um determinado povo, grupo ou tribo e lhes atribua os devidos créditos publicamente;


 3) Informe o público que trata-se de expressão cultural e mencionar o grupo a que pertence;

 4)   Reverta de alguma forma em prol daquele grupo, para diminuir as desigualdades sociais e a discriminação por meio da criação artística, como por exemplo apoiar a causa financeiramente.

 

Alguns povos, como os Maasai, habitantes do leste de África, entre o Sul do Quênia e o norte da Tanzânia, em terras áridas e semi áridas, ao longo do Vale de Rifte. Este povo é mundialmente conhecido e reconhecido pelos belos e coloridos adereços usados pelas mulheres, em especial seus enormes colares, brincos e pulseiras. Para se protegerem, organizaram e criaram grupos focado na defesa de sua propriedade intelectual, a fim de evitar que empresas estrangeiras lucrem com produtos inspirados em seus trajes típicos sem que haja uma devida recompensa. E isso é possível porque vestimentas típicas são resguardadas e enquadradas no sistema jurídico como patrimônio cultural.

 

Outra apropriação cultural é o uso de cocar e adereços indígenas, quando usado em desfiles de moda e até mesmo no carnaval brasileiro, onde trajes que simbolizam a cultura indígena são frequentemente usados como adereços e fantasias, fora de seus contextos históricos, para festejar e desconsiderando qualquer significado. Dessa forma, quando um grupo de pessoas fazem isto com os elementos da cultura indígenas, estão ao mesmo tempo ignorando o símbolo de resistência, empoderamento e respeito que efetivam a cultura desse povo.

 

Indígenas tem sofrido também usurpações de seus saberes tradicionais, onde empresas apropriam-se indevidamente de seus conhecimentos sobre a fauna e flora, sem o devido reconhecimento e retribuição, muito embora tenha-se auferido lucros exorbitantes.

 

Não menos importante, outro bom exemplo de apropriação cultural refere-se à cultura negra, que passa por um processo de capitalização, em que elementos tradicionais de sua cultura, como as tranças, turbantes e outros são inseridos na sociedade sem a importância de seu verdadeiro significado.

 

A chave para resolver esse problema está em dar voz a essas comunidades, para as pessoas que são titulares dessas práticas culturais, dar-lhes o crédito publicamente e retribuir-lhes financeiramente para que possam crescer e resguardar suas culturas, cooperando assim para o desenvolvimento sustentável.

 

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*ADRIANA P. B. CUALHETE – é advogada especialista em Propriedade Intelectual, com atuação em vários segmentos, inclusive no universo Fashion, em São José do Rio Preto

 







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