Uma
interseccion na indústria da moda: apropriação cultural ou inspiração cultural?
A
moda é um reflexo de momentos históricos, econômicos, políticos, sociais e
culturais num determinado tempo, e como tanto, tem como fonte de inspiração, as
tradições culturais de cada povo, etnia ou região.
Em
busca de inspiração para suas coleções, grandes marcas passaram a buscar
referências em trajes típicos por exemplo, gerando controvérsias no campo
sociológico e também no âmbito da fashion law (área jurídica
que aborda os direitos autorais e propriedade intelectual da indústria da
moda).
No
universo da moda, é comum buscar inspiração em uma determinada cultura, seja
para criar peças seja para criar um design ou até mesmo uma estamparia, dentre
outros.
Podemos
conceituar a apropriação cultural como:
“A
apropriação cultural acontece quando “uma cultura minoritária ou de alguma
forma subordinada social, política ou etnicamente é apropriada por uma cultura
dominante”
(Dra.
Roseane Borges, pesquisadora de gênero, raça, visibilidade e poder).
Assim,
podemos dizer que há apropriação cultural quando uma cultura adota elementos
específicos de outra cultura, podendo ser ideias, conhecimento tradicional,
idioma e expressões linguísticas, símbolos e crenças religiosas, artefatos,
imagens, acessórios, trajes típicos, música, dança, arte, culinária, objetos,
formas, aspectos comportamentais, etc, que, uma vez removidos de seus
contextos culturais originais, podem assumir significados muito divergentes.
Essa
aculturação é negativa quando acontece entre uma cultura minoritária e a
cultura dominante, caracterizando uma situação de exploração, desrespeito ou
banalização.
Desta
forma, para que ocorra a apropriação cultural é necessário que uma cultura
dominante que explorou ou oprimiu um determinado grupo minoritário (ex.
colonização, do genocídio, da escravidão) ou, ainda, não entende o significado
cultural do elemento incorporado, adote como seu, sem a devida permissão, sem
dar-lhes a devida autoria, e/ou retribuição pecuniária.
Assim
sendo, não se há de confundir com o intercâmbio cultural, que
acontece quando pessoas de culturas diferentes compartilham aspectos de sua
cultura, sem dominação de um grupo sobre o outro. Tampouco pode se confundir
com assimilação cultural, pois neste, para fins de sobrevivência,
um determinado grupo marginalizado, adota aspectos da outra cultura.
É
preciso consignar que, juridicamente, o fato de usar acessórios ou incorporar
elementos que pertencem a outra cultura não faz de você ou de sua empresa uma
má pessoa nem um transgressor desde que não contribua para o esvaziamento
do significado desse símbolo. Para tanto, é preciso estar atento:
· 1) Peça autorização ao grupo/tribo;
2)
Use significados culturais ou religiosos de
um determinado povo, grupo ou tribo e lhes atribua os devidos créditos
publicamente;
3) Informe o público que trata-se de expressão
cultural e mencionar o grupo a que pertence;
4)
Reverta de alguma forma em prol daquele grupo, para
diminuir as desigualdades sociais e a discriminação por meio da criação
artística, como por exemplo apoiar a causa financeiramente.
Alguns
povos, como os Maasai, habitantes do leste de África, entre o Sul do Quênia e o
norte da Tanzânia, em terras áridas e semi áridas, ao longo do Vale de Rifte.
Este povo é mundialmente conhecido e reconhecido pelos belos e coloridos
adereços usados pelas mulheres, em especial seus enormes colares, brincos e
pulseiras. Para se protegerem, organizaram e criaram grupos focado na defesa de
sua propriedade intelectual, a fim de evitar que empresas estrangeiras lucrem
com produtos inspirados em seus trajes típicos sem que haja uma devida
recompensa. E isso é possível porque vestimentas típicas são resguardadas e
enquadradas no sistema jurídico como patrimônio cultural.
Outra
apropriação cultural é o uso de cocar e adereços indígenas, quando usado em
desfiles de moda e até mesmo no carnaval brasileiro, onde trajes que simbolizam
a cultura indígena são frequentemente usados como adereços e fantasias, fora de
seus contextos históricos, para festejar e desconsiderando qualquer
significado. Dessa forma, quando um grupo de pessoas fazem isto com os
elementos da cultura indígenas, estão ao mesmo tempo ignorando o símbolo de
resistência, empoderamento e respeito que efetivam a cultura desse povo.
Indígenas
tem sofrido também usurpações de seus saberes tradicionais, onde empresas
apropriam-se indevidamente de seus conhecimentos sobre a fauna e flora, sem o
devido reconhecimento e retribuição, muito embora tenha-se auferido lucros
exorbitantes.
Não
menos importante, outro bom exemplo de apropriação cultural refere-se à cultura
negra, que passa por um processo de capitalização, em que elementos
tradicionais de sua cultura, como as tranças, turbantes e outros são inseridos
na sociedade sem a importância de seu verdadeiro significado.
A
chave para resolver esse problema está em dar voz a essas comunidades, para as
pessoas que são titulares dessas práticas culturais, dar-lhes o crédito
publicamente e retribuir-lhes financeiramente para que possam crescer e
resguardar suas culturas, cooperando assim para o desenvolvimento sustentável.
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*ADRIANA
P. B. CUALHETE – é advogada especialista em Propriedade
Intelectual, com atuação em vários segmentos, inclusive no universo Fashion, em
São José do Rio Preto